INTRODUÇÃO

Obras públicas sedimentaram, desde a metade do século passado, o crescimento e fortalecimento da Engenharia no Brasil. Impulsionada pelo Estado, vimos o surgimento de grandes obras que alavancaram o conhecimento e proporcionaram o desenvolvimento do setor, resultando no avanço tecnológico que marca a atual fase da arte. Obras como as que encontramos na Capital Federal, a ponte Rio-Niterói, a usina hidrelétrica de Itaipu e tantas outras modelaram a engenharia nacional.

Com o passar dos anos e o avançar de crises econômicas que caracterizaram as duas décadas finais do século XX a participação estatal no desenvolvimento de obras públicas reduziu-se; um novo leque de obras públicas viria a surgir novamente após a reestruturação econômica experimentada iniciada a partir de 1994, tendo sido fartamente ampliada com a realização de obras para a realização de eventos esportivos de expressão mundial e a adoção de um modelo nacionalista de desenvolvimento.

JUSTIFICATIVA

Obras de engenharia, públicas ou privadas, são atividades que apresentam um grande número de partes envolvidas, inúmeras variáveis, fases distintas de projeto e execução, recursos significativos e, portanto, envolvem riscos elevados.

São projetos, e como tais devem ser devidamente gerenciados, com especial atenção ao planejamento e controle de riscos.

Embora o gerenciamento de projetos seja uma atividade implantada há algum tempo, o tratamento dos riscos não obtém o tratamento adequado o setor, sendo freqüentemente sub-avaliado.

Os resultados da falta de planejamento e controle de riscos são facilmente identificados, representados principalmente pelos acidentes que freqüentemente acontecem nas obras.

Este artigo tem por objetivo avaliar os principais fatores do planejamento de riscos de obras públicas que determinam os acidentes.

DESENVOLVIMENTO

O desenvolvimento de uma obra de engenharia pode ser entendido como uma seqüência de atividades: planejamento, projeto, licitação, execução, recebimento e utilização.

Cada etapa deve ser gerenciada no quesito risco de maneira adequada, levando em conta eventuais instabilidades econômicas, a busca de recursos, flutuações políticas, obtenção de licenças dos órgãos competentes, equilíbrio financeiro da execução, qualidade na execução e tantos outros fatores.

Desde o que se denominou “Década Perdida” (1990), os órgãos públicos tem que lidar com o problema de falta de verbas para desenvolver todas as atividades anteriormente citadas. O fator econômico tornou-se o principal, muitas vezes em detrimento da técnica e da segurança. A falta de recursos torna o gerenciamento e controle de projetos e execução de obras públicas um item normalmente descartado, ou deixado em segundo plano. Com isto os riscos tornam-se maiores.

De acordo com Santos [1], no âmbito da instituição pública contratante vêm se mostrando os efeitos danosos da continuidade de um longo processo histórico de esvaziamento técnico e perda de massa crítica tecnológica própria. Esse triste fenômeno enfraquece sobremaneira a imagem indutora de qualidade e fiscalizadora do contratante, desde a etapa de elaboração do edital de licitação, formulação dos termos contratuais, passando pelas interlocuções com os licitantes e, finalmente, ao longo da etapa de execução do empreendimento. A ausência de uma figura técnica forte e fiscalizadora da parte do contratante público sem dúvida ajuda a compor o cenário de uma frente de obra vulnerável à ocorrência de falhas e não-conformidades técnicas.

O processo de contratação de obras públicas é regido, majoritariamente, pelo regime de menor preço da Lei 8.666 que regulamenta a contratação de serviços públicos pelas administrações estatais.

Ainda de acordo com Santos: “Essa prática de preços “enxugados” leva naturalmente o licitante vencedor a procurar, no decorrer da execução do empreendimento, alcançar a lucratividade que lhe pareça justa para o caso lançando mão, fundamentalmente, de quatro expedientes/diretrizes: formulações contratuais mais permissivas, terceirização de serviços essenciais, aceleração máxima do cronograma estabelecido e redução máxima dos custos de materiais e serviços envolvidos na execução do empreendimento, o que vai inexoravelmente comprometer amplamente o ambiente de obra superando em importância hierárquica os princípios básicos da segurança e da boa técnica.”

Modalidades de contratação mais adequadas, tipo Técnica e Preço, demandam mais tempo e esbarram em outro fator limitante: a falta de planejamento.

O sucesso de uma obra de engenharia depende necessariamente de um bom planejamento. Isto requer, sobretudo, tempo de desenvolvimento de planos e projetos. Resumindo: antecipação aos problemas. De uma maneira geral gasta-se menos tempo no planejamento e projeto do que se deveria. Com a falta de estudos completos e adequados, a execução demanda tempo superior ao que poderia, e conseqüentemente elevando os custos.

Também podemos atribuir a falta de planejamento à necessidade do mandatário público apresentar os resultados de sua administração com o objetivo de promoção pessoal. Trata-se de apressar os trabalhos, novamente em detrimento de técnica e segurança, para que o bem público seja entregue para a utilização e os lucros políticos devidamente capitalizados.

Um exemplo clássico desta natureza é a Tragédia da Gameleira em Belo Horizonte, ocorrida em 1971. Com a proximidade do encerramento de seu mandato, o então Governador do Estado Israel Pinheiro exigia a entrega do Pavilhão de Exposições até esta data. Foram dadas ordens de retirada de elementos de sustentação que ocasionaram a ruptura da estrutura ocasionando a morte de 69 operários que trabalhavam no local.

Em seu artigo, Santos [1] afirma que “é responsabilidade maior do comando técnico de qualquer empreendimento de engenharia não permitir de forma alguma que outros objetivos desloquem ou superem em importância hierárquica os princípios da segurança e da boa técnica, sob pena de colocar em risco todo o empreendimento.”

O diretor técnico do Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia (IBAPE) engenheiro Saliba Junior, sentencia [2]: “Obras públicas são lançadas sob forte pressão política para serem iniciadas antes de eleições. Os processos de licitação dessas obras são baseados em projetos básicos, sem detalhamento, ocasionando reprojetos durante a execução. Os preços de referência são baseados em tabelas fixas, sem considerar as particularidades de cada obra como local, o prazo de execução ou o prazo/risco dos pagamentos. Também os custos indiretos e, acreditem, até o lucro são limitados, ou seja, como se as obras fossem commodities. Tamanha incongruência faz com que as obras tenham preços cada vez mais impraticáveis, se levarmos em consideração os riscos e incertezas desses empreendimentos.”

Agentes de desenvolvimento de obras que operam nos órgãos públicos em geral possuem a percepção de que o ente público não tem comando. Por isto não se sentem responsáveis – e não são cobrados – por atos ou omissões que causem acidentes. Esta visão permeia até mesmo na sociedade civil, que em geral não procura conhecer as razões das tragédias, tratadas como fatalidades na maioria dos casos.

Os acidentes – fatalidades, no entendimento comum – quando ocorrem não são devidamente assimilados de modo a atualizar os ativos dos processos organizacionais das empresas envolvidas no processo. Há uma comoção inicial, natural ao ser humano, mas com o passar do tempo as lições que deveriam ser aprendidas são praticamente esquecidas.

Há também a questão de fiscalização a ser abordada. Órgãos fiscalizadores de projetos muitas vezes verificam apenas a existência de informações, a observância de algumas normas e a participação de profissionais habilitados. E nem poderia ser diferente, pois a verificação qualitativa dos trabalhos não é sua função.

“O fato de uma obra estar aprovada na prefeitura não significa que tem segurança estrutural, pois essa aprovação constata o atendimento da legislação municipal -e não se verifica o projeto estrutural, de fundações, de movimento de terra etc.” [3]

É preciso institucionalizar a cultura de verificação de projetos, especialmente para as obras públicas. Trata-se de uma validação do projeto por profissional de mesma categoria, devidamente habilitado, atestando a qualidade das informações contidas e validando o trabalho para execução, criando uma co-responsabilidade entre os profissionais e garantindo o melhor desempenho e minoração de riscos.

A fiscalização da execução é de extrema importância. O profissional responsável pela atividade perante o órgão público poderia ser co-responsável pela execução da obra.

“Outro ponto grave é a fiscalização: os órgãos de controle, como tribunais de contas, ficam restritos à forma como o dinheiro público é gasto, e falta um rigoroso acompanhamento técnico”, informou Dantas [4]

Finalmente precisamos também adquirir a cultura de assumir as responsabilidades quanto assim nos é imposto. Freqüentemente envolvidos em acidentes de engenharia imputam culpas a eventos naturais, como chuvas e composições geológicas, quando todos os fatores naturais devem ser levados em consideração no planejamento e execução de obras de Engenharia.

“É essencial que o meio técnico do país, agentes públicos  privados de alguma forma associados aos empreendimentos de engenharia, associações classistas e técnico-científicas, institutos de pesquisa e Universidades, assumam sua responsabilidade na análise desse fenômeno tecnológico e, conscientes de suas causas, cuidem de superá-lo radicalmente. Certamente competência técnico-científica não faltará para tal objetivo.” [1].

CONCLUSÃO

“A construção civil brasileira tem capacidade técnica para produzir edificações com segurança, mas o problema é que o setor convive com realidades muito distintas. Há dificuldade, por exemplo, de regrar e fiscalizar a construção civil; os mecanismos para assegurar que o ciclo de conformidade às normas seja efetivamente cumprido são muito frágeis.” [3]

Acidentes na Engenharia em geral não tem causa única. É um somatório de falhas dentre inúmeros fatores envolvidos em empreendimentos que acarretam as tragédias.

A minoração dos riscos de acidentes de Engenharia em projetos públicos, dentro de um plano de gerenciamento de riscos, pode ser feita através da adoção de medidas como:

  • Utilização de modelo de contratação de projetos e obras que leve em consideração não apenas o preço, privilegiando o conhecimento técnico e tempo de experiência dos participantes dos certames licitatórios;
  • Adequação dos prazos de elaboração de projetos para que as empresas e profissionais possam realizar estudos de impactos e análises de riscos;
  • Utilização de modelo de validação de projetos através da emissão de certificado por entidade de profissionais, gerando co-responsabilidade;
  • Difusão e utilização de seguros de responsabilidade civil profissional nas modalidades de elaboração de projetos e obras;
  • Definição da matriz de responsabilidades com a participação de todos os envolvidos em todas as etapas;

Execução de vistoria preventiva periódica obrigatória para algumas classes de obras públicas, gerando manutenção preventiva.

[1] Santos, Álvaro Rodrigues

Acidentes em obras de engenharia. Há como evitá-los.

http://www.forumdaconstrucao.com.br/conteudo.php?a=9&Cod=496.

Acessado em: 23 jul. 2015.


[2] Saliba Júnior, Clémenceu Chiabi

Por mudanças na contratação de obras públicas

Folha de São Paulo

Edição eletrônica: 21/08/2014 02h00

http://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2014/08/1503484-clemenceau-saliba-por-mudancas-na-contratacao-de-obras-publicas.shtml


[3] Silva, Maria Angélica Covelo

Análise: Exigências para projetar e constuir precisam de mais rigor

Folha de São Paulo

Edição eletrônica: 28/08/2013 03h31

http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2013/08/1333107-analise-exigencias-para-projetar-e-construir-precisam-de-mais-rigor.shtml


[4] Dantas, Tiago

Com dois acidentes em 30 dias, falta de projeto e pressa ameaçam obras no Brasil.

O Globo

Edição eletrônica: 27/07/2014 8:00 / ATUALIZADO 27/07/2014 23:41

http://oglobo.globo.com/brasil/com-dois-acidentes-em-30-dias-falta-de-projeto-pressa-ameacam-obras-13395769